21 novembro, 2006

A vida


surpreende-nos constantemente como se de uma prova se tratasse. Uma prova de resistência às vicissitudes.

Vicissitude* gosto desta palavra. Gostava de nunca ter visto os meus avós em momentos terminais e, de nessas alturas fazer outra coisas que não apenas ligar ao 112. Gostava de os ter aqui sem ter que, tantas vezes no dia, me lembrar de como eram das suas caras e das suas vozes para nunca me esqueçer deles nem do quanto gostavam de mim. E do quanto eu gosto deles e do quanto eu tento pensar que eles estão aqui comigo e que até conhecem o David. Tenho tantas saudades e ficaram tantas coisas por vivermos juntos.

A Bi está aqui mas podia estar aqui ao pé de nós e o até podia estar agora a tomar conta do David como habitualmente. Vicissitudes da idade e da vida. Sei que tem oitenta anos mas custa-me a ideia de não a ter sempre à mão. Há trinta anos que ela está ali, sempre lá à minha espera no mesmo sítio com a mesma ternura. E na vida não se mudam trinta anos assim. Custa-me, pronto custa-me muito. Por ela por nós. Por tudo. Custa-me mesmo sabendo todas as coisas racionais que me dissem em forma de consolo. Muito do que somos, somos pelos outros. Os grandes outros na minha vida foram os meus avós e custa-me fechar esse capítulo definitivamente.

Eu devia estar era aqui como estive mas não me apeteceu, definitivamente aprendi que prefiro estudar do que ensinar.


*vicissitude
do Lat. vicissitude
s. f.,
mudança ou diversidade de coisas que se sucedem;
eventualidade;
revés;
alteração;
instabilidade das coisas;
dificuldade.